sábado, 5 de julho de 2008

O que é ser um conservador?

O que é ser um conservador?


Atualmente, a palavra “conservador” é apresentada na grande mídia, nas empresas, nas escolas, nas universidades e outros ambientes sociais como sendo um vocábulo extremamente negativo. Está palavra é constantemente relacionada com alguma forma de saudosismo, preconceito social e formas autoritárias de governo como, por exemplo, o nazismo e o socialismo. Dessa forma, qualquer cidadão que se proclame conservador é rotulado pela sociedade como sendo uma pessoa esclerosada, que desconhece os avanços da ciência e os novos comportamentos sociais, que defende, de forma saudosista, antigos preconceitos sociais e regimes políticos autoritários e ditatoriais.
Com relação a essa temática é preciso ressaltar que “quatro décadas depois, mesmo com a utopia comunista já devidamente sepultada, alguns cacoetes do pensamento esquerdista ainda remanescem. Um deles é este da dicotomia entre um povo bom e generoso e uma elite perversa e individualista” (MELLÃO NETO, Jõão. Somos das elites, sim. IN: Espaço aberto, sexta-feira, 28 de setembro de 2007.).
Apesar dessa visão negativa no seu sentido original a palavra “conservador” é bem diferente. O pensador espanhol Ortega Y Gasset, um dos grandes críticos da sociedade de massas, a sociedade do consumo supérfluo e da falta de ideais, afirma que ser conservador é buscar os nobres valores da existência. Ele define nobreza da seguinte forma: “Nobreza, para mim, é sinônimo de vida dedicada, sempre disposta a superar a si mesma, a transcender do que já é para o que se propõe como dever e exigência. Dessa forma, a vida nobre se contrapõe à vida vulgar e inerte, que estaticamente, se restringe a si mesma, condenada à imanência perpétua” (ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 97.).
Para ele a vida nobre deve estar num processo contínuo de superação das dificuldades cotidianas e em busca de manter e, se possível, restaurar todos os nobres ideais que o ser humano construiu. Dentro dessa discussão entra em cena a concepção do homem nobre, do homem conservador. Para Ortega Y Gasset o homem conservador deve ser definido por duas grandes características:
1) A busca de valores absolutos. Em suas palavras: “o homem se compromete consigo mesmo a buscar coisas absolutas” (ORTEGA Y GASSET, 2002, p. 19).
2) Os privilégios são conquistas e não concessões dadas pelo Estado. E é preciso ressaltar que na sociedade contemporânea muitos grupos sociais buscam constantemente receber concessões do Estado. Nas suas palavras à definição de conservador, de homem nobre, é a seguinte: “o homem especial ou excelente está constituído por uma íntima necessidade de apelar por si mesmo para uma norma além dele, superior a ele, a cujo serviço se coloca espontaneamente. [...]. A nobreza define-se pela exigência, pelas obrigações. [...]. Os privilégios da nobreza não são originariamente concessões ou favores, mas, ao contrário, são conquistas” (ORTEGA Y GASSET, 2002, p. 95).
Para Ortega y Gasset (2002, p. 50-51) a sociedade deve ser sempre aristocrática, ou seja, conservadora. E por conservador deve se entender a conservação de todos os nobres valores, instituições e ideais que o ser humano construiu. Por causa disso, o homem conservador tem uma dupla missão. De um lado, ele deve guiar, orientar e estimular o homem comum para que possa buscar, galgar e atingir os níveis mais elevados de educação, convivência humana e dignidade que o próprio homem conservador conseguiu atingir. Do outro lado, para que esse ideal seja atingido o homem conservador deve dispor de seu tempo, erudição e dinheiro, caso possua, para aperfeiçoar o sistema social. Esse aperfeiçoamento é realizado por meio da construção, reforma e ampliação de bibliotecas, museus, parques, orquestras, universidades, hospitais e outros confortos de interesse comum.
Como se pode perceber por meio da argumentação de Ortega y Gasset o homem conservador busca instaurar uma democracia na sociedade. Mais ao contrário da democracia contemporânea, alicerçada na ignorância, no crescimento da pobreza, da violência e de outras mazelas sociais, a democracia proposta por Ortega y Gasset é um sistema social constituído pelo complexo conjunto formado por todos os ideais mais elevados e por todas as construções mais nobres que o ser humano teve e tem acesso.
De acordo com o pensador norte-americano Christopher Lasch uma das causas da visão negativa que envolve o vocábulo “conservador” é o fato da elite contemporânea recusar-se deliberadamente a exercer seu papel de orientador e de catalizador social. Para Lasch a atual elite ocidental ao invés de lutar para que o homem comum possa desfrutar dos benefícios intelectuais, espirituais, artísticos e econômicos que ela desfruta realiza o processo inverso, ou seja, procura desfrutar do estilo de vida do homem comum.
Para ele, “são as elites, [...], que perderam a fé nos valores do Ocidente” (LASCH, Christopher. A rebelião das elites e a traição da democracia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1995, p. 37-38). Atualmente a elite deixou de ser a classe social promotora da vida pública, da cidadania e da democracia. Ela abandonou a “missão civilizadora” que Ortega y Gasset tanto ressaltou.
Segundo Lasch a elite do final do século XX abandonou a ética da responsabilidade social. Dentro do espírito da argumentação de Ortega y Gasset, Lasch afirma que no século XIX e início do XX, a elite promovia o desenvolvimento urbano, a industrialização e a construção de obras de interesse público (bibliotecas, museus, parques, orquestras, universidades, hospitais e outras). De certa forma, a elite era movida pela seguinte máxima: “todos receberam benefícios de seus ancestrais, portanto, todos estão obrigados, como por um juramento, a transmitirem estes benefícios, até em melhores condições, à posteridade” (LASCH, 1995, p. 12-13).
A conseqüência da ética da responsabilidade social é que a elite contribuía, de forma decisiva, para a efetivação de comunidades autônomas. São as “comunidades autônomas, e não indivíduos, as unidades básicas da sociedade democrática” (LASCH, 1995, p. 16). A elite contribuía para a formação e o aperfeiçoamento da democracia no Ocidente. O princípio da distribuição dos benefícios sociais tinha como conseqüência a incorporação, dentro da democracia, de uma considerável parcela da população que não fazia parte da elite.
Além desse problema levantado por Lasch é preciso ver que a sociedade atual vive um momento de bastante confusão existencial e desorientação moral. Sobre essa questão levantam-se três problemas.
O primeiro problema é o triunfo do que Ortega Y Gasset classificou de “movimento das Massas”. Na primeira metade do século XX este movimento foi cristalizado pelo socialismo e pelo nazismo. Logo após a segunda guerra mundial (1939-1945) este movimento passou a ser cristalizado pela democracia jurídica. Tanto o socialismo, como o nazismo e a democracia jurídica criam à ilusão de igualdade. No socialismo e no nazismo afirma-se que todos são iguais dentro do partido político, já a democracia jurídica afirma que todos são iguais para votar. O problema é que essa igualdade é ilusória. Na grande maioria dos casos cria-se uma casta de governantes. Uma ilusão de participação. Os “limites da democracia” não são percebidos (MIGUEL, Luis Felipe. Promessas e limites da democracia deliberativa. IN: Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 16, n 46, São Paulo, jun 2001.).
O segundo problema é a sociedade alucinada e delirante, marcada pelo consumo e pelo relativismo. Vive-se num “i-mundo, um não mundo” (MATTÉI, Jena-François. A barbárie interior. São Paulo: UNESP, 2002.) marcado pela ilusão e pelo conformismo. Qualquer discurso que faça referência a valores e ideais diferentes dos valores e ideais dominantes são rejeitados, rotulados de saudosistas e de autoritários.
O terceiro e último problema é a falta de apreço por tudo que é nobre e digno. O homem contemporâneo vive um momento de alienação profunda. Vive um busca frenética por modismos e, por conseguinte, procura negar de forma absoluta tudo o que as gerações anteriores construíram com tanto sacrifício. Todos os bens que as gerações anteriores deixaram para a atual geração são relegados a um segundo plano ou simplesmente descartados, transformando-se em peças de museu.
Dentro de um autêntico espírito democrático é preciso defender, anunciar e promover todos os nobres bens, valores e idéias que o homem construiu. Se realmente vivemos em uma democracia, um cidadão (a palavra “cidadão” é utilizada no sentido amplo do termo) que afirme ser conservador não pode e não deve ser ridicularizado, taxado de saudosista ou autoritário. Pelo contrário, este cidadão está exercendo seu direito democrático e livre de lutar e buscar “promover, entre os indivíduos e as multidões, um apreço muito maior por tudo quanto diz respeito à religião verdadeira [o Cristianismo], à verdadeira filosofia, à verdadeira arte e a verdadeira literatura” (OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Revolução e contra-revolução. 4 ed. São Paulo: Artpres, 1998, p. 98).
Em síntese, ser conservador, ao contrário do que pensa a multidão inculta que governa o atual modelo social, é buscar democratizar os níveis mais elevados de educação, convivência humana e dignidade que o próprio homem conservador conseguiu atingir.

Referências bibliográficas:

MELLÃO NETO, Jõão. Somos das elites, sim. IN: Espaço aberto, sexta-feira, 28 de setembro de 2007.
LASCH, Christopher. A rebelião das elites e a traição da democracia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1995.
MATTÉI, Jena-François. A barbárie interior. São Paulo: UNESP, 2002.
MIGUEL, Luis Felipe. Promessas e limites da democracia deliberativa. IN: Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 16, n 46, São Paulo, jun 2001.
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Revolução e contra-revolução. 4 ed. São Paulo: Artpres, 1998.
ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. São Paulo: Martins Fontes, 2002.







Um comentário:

Luiz Gustavo disse...
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